sábado, 22 de fevereiro de 2020

Entrevista com Ângela Rosa


O ambiente é de todos


A cultura é a história da relação que o homem tem com a sua sustentabilidade

Entrevista com Ângela Rosa

Ângela Rosa é natural de Tavira. Nasceu em 1985. Completou o 12º ano e a partir de aí optou por escolher o rumo das suas aprendizagens de acordo com as necessidades do seu momento. Considera-se uma autodidacta polivalente e sabe que a aprendizagem não tem fim. O desporto, a música, a expressividade, os valores humanos, os trabalhos manuais e a agricultura sempre fizeram parte da sua vida.
Viveu no Porto, onde tirou o Curso Geral de Terapias, no Instituto Português de Naturologia que lhe despertou uma consciência diferente sobre a alimentação, a saúde e a importância da preservação da natureza. Leva uma alimentação vegana e satvica há 12 anos.
Gosta de viajar e fá-lo na perspectiva de perceber a dinâmica natural e social dos locais que visita e, sempre que pode, faz formação. Há poucos meses, em França, perto de Toulouse, fez uma formação sobre “eco-suficiência” numa iniciativa "heterotopies" da associação Via Brachy , em parceria com a associação In Loco.
Vive, há oito anos, da agricultura biológica certificada, fruticultura e horticultura, com características locais, ao ritmo sazonal e em sinergia com a biodiversidade.
 Ângela avança, passo a passo com perseverança, alegria e criatividade,            por um caminho que é também uma filosofia de vida, em direcção a um planeta são, de  energias limpas, onde a solidariedade e a partilha são sentimentos que animam o social como o sangue anima o corpo.
Ângela Rosa é cofundadora do Tavira em Transição e uma activista incansável nos vários labores deste movimento.
“Eu e o meu marido produzimos 80 a 90% do que consumimos, o que inclui cereais, leguminosas, vegetais, frutas, frutos secos, azeite, etc.”, comunica Ângela Rosa, “ e ter a nossa própria reprodução e conservação de sementes puras, ter o nosso próprio banco de sementes, é deveras essencial para a sustentabilidade”, e continua, “A minha sustentabilidade individual passa também pela escolha ou criação ética daquilo que necessito: o vestuário, os instrumentos que facilitam a vida doméstica, incluindo os produtos de higiene pessoal e do lar e passa também pelos materiais que uso na construção da minha casa, tal como pela energia geral que consumo no meu quotidiano”.
“A base da cultura, em todas as culturas, é a história da relação que o homem tem com a sua sustentabilidade”, explica Ângela Rosa, “as diferenças culturais devem-se à originalidade de cada lugar e de cada ser humano, o que enriquece o Mundo”.
“O meu modo de encarar a sustentabilidade é bastante actual mas contém um grande respeito pela ancestralidade”, esclarece, “os nossos ancestrais lidaram com os mesmos locais e com problemas muito semelhantes, nestes mesmos locais, e tiveram uma longa experiencia a esse nível. Decerto que alguns ensinamentos adquiriram e nos legaram da sua relação com o mesmo meio. Devemos escutá-los com alguma atenção”.
“Tavira está num momento de confluência. Existem aspirações positivas e existem perigos eminentes”, explica a activista do Tavira em Transição, “por um lado temos o projecto da Dieta Mediterrânica que vem salientar a necessidade de retorno às raízes e aos valores de sustentabilidade da cultura desta região” e por outro, uma série de ameaças como a “exploração de petróleo e gás natural que pretendem fazer nesta zona, tanto no mar, como na ria e também na serra” e “a invasão de estufas que abatem árvores milenares e centenares e destroem a paisagem, a flora e a fauna local”.
Para Ângela Rosa “é urgente despertar a atenção, informar e motivar as pessoas para a transição e para estas reivindicarem a sua autonomia e soberania local e económica, alimentar e energética”.
A entrevista com Ângela Rosa vai acontecer no diariOnline do Região Sul no dia 15 de Janeiro de 2016, às 15:00 horas.





1 – Como te ligas à criação do movimento Tavira em Transição?
R: Fui uma espécie de agente iniciador do movimento Tavira em Transição.
Em Novembro de 2011, organizei um encontro na sala de meditação da Quinta Shanti, a que dei o nome de “transição e sustentabilidade não violenta” para abordar temas como energias renováveis, artesanato funcional, medicinas alternativas, educação, agricultura biológica, biodinâmica, permacultura, a relação do individuo com a comunidade.
Sentia que estava a trabalhar na direcção certa mas sentia-me muito sozinha pois para se solucionar certos problemas é necessário o colectivo, então fui à procura de gente para partilhar preocupações e me ajudar a encontrar soluções.
Estiveram presentes muitas pessoas já com percursos dentro destes temas e surgiu um “grupo de luxo” pois reuniu-se gente com a mesma filosofia de vida, cujas áreas de conhecimentos falam a mesma linguagem e que se completam. Nessa reunião nasceu o Tavira em Transição.
O movimento tem-se vindo a formar gradualmente. A nossa mecânica de trabalho é muito orgânica, vamos avançando conforme nos vamos conhecendo. As coisas vão acontecendo natural e espontaneamente e os nossos princípios vão-se fortalecendo, a partir daquilo que é genuíno em cada um de nós, em interacção uns com os outros e com o meio que nos circunda. Isso permite que tudo aconteça de modo muito natural e com originalidade.
Nós somos parte de um movimento a nível mundial que se chama Cidades em Transição. Existe uma filosofia e valores comuns mas cada cidade faz como que “o seu cozinhado” porque as respostas têm que ser dadas mediante as características únicas de cada local.
Começa-se por observar e perceber o local. Só depois se pode saber o que existe e o que faz falta. Em função disso é que a nossa acção é exercida, de acordo com os princípios do Cidades em Transição, que no fundo são os da permacultura, no local onde se está.
Agora, ao final de quatro anos de existência, fizemos um balanço do nosso trabalho e concluímos que, embora tenhamos agido sem “cartilhas”, sempre de forma natural e espontânea, estamos na prática e intrinsecamente, de acordo com as metas do Cidades em Transição.
Afinal o lema é muito simples: é na simbiose entre o individuo e aquilo que o circunda e no social e na sua relação com o ambiente, que reside o segredo da sobrevivência e da prosperidade e, é óbvio que o homem não sobrevive fora da natureza, logo, precisamos muito de cuidar bem dela.
2 – Quais são as dinâmicas actuais do Tavira em Transição?
R: Muito recentemente nós iniciámos uma parceria com a Rádio Gilão que inclui dois programas, um é mensal e em directo, chama-se “ecomesa” e vai dar continuidade ao trabalho de informação e reflecção que foi realizado durante algumas semanas no Mercado Municipal de Tavira. Disponibiliza uma conversa sobre temas actuais. O outro programa é previamente gravado, é semanal e chama-se “ecoponto da transição”. Faz uma reflecção sobre um tema e dá dicas práticas para a vida das pessoas a nível da sustentabilidade.
Temos outras dinâmicas para fazer emergir essa responsabilidade ecossocial que é urgente. É que isto não se trata de um estilo ou de uma onda e sim da sobrevivência do ser humano e da vida em geral neste planeta.
Vamos iniciar, muito brevemente, o segundo ciclo de cinema.
Continuamos com a acção pedagógica, que iniciámos em 2014, em colaboração com a Escola Secundária de Tavira.
O projecto na Mata de Santa Rita, que tem sido um sucesso, no controlo da acácia naquela área, e vai continuar.
Gostava de referir que as artes estão muito presentes neste movimento que é muito orgânico, humano e criativo, no modo como manifesta o seu respeito pela sustentabilidade da vida e as actividades artísticas estão muito presentes nas nossas dinâmicas, permeiam grande parte delas.

3 – Como é que tu vês a sustentabilidade?
R: Existem duas vertentes que se interligam, a sustentabilidade a nível individual e a sustentabilidade a nível social.
A nível individual, a minha sustentabilidade pessoal, vejo-a no desenvolvimento de habilidades e destrezas que me capacitem para me governar a mim mesma, ou seja, saber alimentar-me, que inclui o saber cozinhar os alimentos mas vai muito para além disso, e que me remete imediatamente para a arte de cultivar o meu alimento. Faço agricultura biológica há oito anos, com características locais, ao ritmo sazonal e em sinergia com a biodiversidade.
A sustentabilidade individual passa por criar garantias de sobrevivência para si e para a prole, como toda a gente faz no seu dia-a-dia, a diferença aqui é que temos que o fazer em harmonia com a biodiversidade, coisa que é quase rara nas técnicas que se usam actualmente.
A minha sustentabilidade individual passa também pela criação daquilo que necessito: o vestuário, os instrumentos que facilitam a vida doméstica, incluindo os produtos de higiene pessoal e do lar e passa também pelos materiais que uso na construção da minha casa, tal como pela energia que consumo no meu quotidiano. O alvo a atingir é não usar materiais sintéticos em todas as áreas do labor da vida até chegar aos resíduos zero, energia limpa.

Parece utópico? O ser humano se afastou-se de valores essenciais atrás do seu egoísmo e das ganâncias que se tornaram crescentes mas, é muito necessário re-olhar para as coisas, respeitar e re-ligar. Este é o caminho que se tem que ir progressivamente abraçando.
A base da cultura, em todas as culturas é a história da relação que o homem tem com a sua sustentabilidade. As diferenças culturais devem-se, no fundo, à originalidade de cada lugar e de cada ser humano.
A cultura engloba os hábitos de um povo que incidem, na sua maioria, nos modos como esse povo se relaciona com a sua sobrevivência e com a sua sustentabilidade e com a natureza pois só de lá é que a sobrevivência do homem pode vir.
O meu modo de encarar a sustentabilidade é bastante actual mas contém um grande respeito pela ancestralidade. Os nossos ancestrais lidaram com os mesmos locais e com problemas muito semelhantes, nestes mesmos locais, e tiveram uma longa experiencia a esse nível. Decerto que alguns ensinamentos adquiriram e nos legaram da sua relação com o mesmo meio. Devemos escutá-los com alguma atenção.
A cultura nasceu lá atrás mas recrudesce sempre que conseguimos percepcionar, em comunhão com os nossos ancestrais, uma verdade que é imutável: não se consegue sobreviver fora da natureza, e com eles, reaprendemos a nos relacionarmos com ela.
A sustentabilidade a nível social será a relação destas sustentabilidades individuais no mesmo local, com as mesmas directrizes e a mesma filosofia, embebida pelo respeito pela vida, pela pluralidade de formas de esta se manifestar e pela relação que existe entre todos os seres vivos e inanimados que compõem o local que habitamos e que partilhamos com todos e com tudo o resto.
Mas o que é importante salientar é a responsabilidade social que cada individuo tem pois o social é esse conjunto de indivíduos que partilha o mesmo local de vida e interage dentro dele e por isso tem que zelar por ele em conjunto.
A nível do colectivo, há algo que também me parece muito importante para a sustentabilidade que é o desenvolvimento do pacifismo pois com guerras não há sustentabilidade possível, e por isso, é que o modo de chamar a atenção das pessoas para a nossa causa, que é a causa de todos, que o Tavira em Transição usa, é a partir da criatividade, da arte, da informação e da responsabilização.
Cada ser humano é único, por isso a competição negativa não faz sentido, ninguém pode ser melhor ou pior que ninguém e por isso, na sua evolução como individuo, só se pode comparar a si próprio. É por isso que cada cultura é tão importante e cada local também, porque todos são únicos e irrepetíveis.

4 – Como vai a cidade de Tavira?
R: Tavira está num momento de confluência. Existem aspirações positivas e existem perigos eminentes.
Por um lado temos o projecto da Dieta Mediterrânica que vem salientar a necessidade de retorno às raízes e aos valores de sustentabilidade da cultura desta região e isso envolve muita coisa: a paisagem mediterrânica, a agricultura familiar e de pequena e média escala, que respeita a biodiversidade e os ritmos da natureza deste local, e isso envolve oficinas, transformação e comércio justo, estilo de vida e “slow food”, entre muitas outras coisas.
Mas nada disto faz sentido se não protegermos este local do que estão “congeminando” contra ele. Refiro-me à exploração de petróleo e gás natural que pretendem fazer nesta zona, tanto no mar, como na ria e também na serra, e refiro-me também à invasão de estufas que abatem árvores milenares e centenares e destroem a paisagem, a flora e a fauna local.
Este é um momento muito decisivo para o futuro desta zona. Tudo o que caracteriza este local está em perigo caso os contratos que foram assinados entre o governo e as petrolíferas forem adiante.
Não só Tavira mas todo o Algarve está em perigo se os seus habitantes não travarem este processo originado pelas corporações de petróleo e lobbys do petróleo e da agro-industria.
Tavira tem um território de vida, uma biodiversidade que já está a ser destruída, e se esses processos não são travados, ficará irremediavelmente perdida, não só para nós mas para toda a humanidade porque estas coisas não se reinventam nem se substituem.
Isto não acontece só aqui. O mundo é composto por pequenos sítios únicos. É aí que reside o funcionamento do planeta, nesta biodiversidade que, neste momento, está a ser completamente desprezada e destruída pelos malefícios da globalização mas sobretudo pela ganância e tiranias de pequenas elites que dominam as corporificações e criam redes, cadeias, conhecidas de todos, para as quais as populações trabalham e das quais se tornam reféns, sem se preocuparem com isso nem se interrogarem sobre isso. É aí que está o grande perigo e por isso é que é tão urgente despertar a atenção, informar e motivar as pessoas para a transição e para reivindicarem a sua soberania alimentar e energética.


domingo, 28 de janeiro de 2018

Entrevista com Laurinda Seabra

Ciclo de entrevistas realizadas pelo Núcleo de Jornalismo da Associação Min-Arifa no Jornal diariOnline - Região Sul como título o ambiente é de todos.




O ambiente é de todos     

Temos o dever de pensar na sustentabilidade das futuras gerações

Entrevista com Laurinda Seabra 
Jornalista: Paula Ferro


                
A sexta entrevista do ciclo “o ambiente é de todos” que o Núcleo de Jornalismo da Associação Min-Arifa vem realizando no diariOnline do Região Sul é com Laurinda Seabra e aborda a problemática da extracção do petróleo no Algarve.
Laurinda Seabra nasceu em Luanda, em 1955. Na puberdade foi viver para a África do Sul onde se licenciou em Engenharia Mecânica. Em 1975, ainda como estudante estagiária, começou a trabalhar numa empresa petrolífera.
É Mestre em Gestão de Negócios, pela Milpark Business School, e a sua carreira profissional foi feita dentro da indústria petroquímica, onde ocupou diversas funções, incluindo administração.
Em 2004 Laurinda Seabra decidiu mudar de rumo profissional e passou a ser a Directora da Empowerment Gatewey Consulting, uma empresa de consultadoria e empreendedorismo social, registada na Inglaterra e na África do Sul, sediada em Lagos.
Em 2012 funda uma associação, a ASMAA (Algarve Surf and Marine Activities Association), a que preside.
Aos 15 anos de idade Laurinda começa por ser activista pela defesa dos direitos humanos. Devido à sua carreira profissional compreendeu a necessidade de se proteger o ambiente e o seu activismo estendeu-se a esta área.
“Em Julho de 2015 foram publicados na internet, na página oficial da organização do governo responsável pela área do petróleo e gás natural, ENMC, contratos entre o governo e empresas petrolíferas, já realizados”, conta Laurinda Seabra, “nós analisámos os contratos e pedimos um parecer jurídico que nos disse que os benefícios para Portugal eram muito poucos ou quase nulos e que traziam muitos riscos”.
Em Setembro, a ENMC publicou dois novos contratos para o Algarve, desta vez, relativos a concessões em terra, com os nomes de Tavira e Aljezur”, continua a presidente da ASMAA, “se estávamos preocupados com as explorações no mar, quando percebemos que estes novos contractos vão deixar entrar no Algarve as tecnologias de “fracking”, a situação tornou-se muito mais seria, porque se há riscos na exploração no “offshore”, os riscos que o processo de “fracking” traz são muito maiores e têm impactos negativos permanentes”.
“Na Europa o “fracking” está proibido em alguns países e nos EUA há um intenso debate cercando a exploração por “fracking” devido aos danos já causados”, comunica a engenheira mecânica, “este tipo de extração agride gravemente o meio ambiente por se tratar de um processo que consiste na perfuração e injeção de fluídos químicos no solo para elevar a pressão, fazendo com que haja fratura das rochas e a liberação do gás natural. Nos fluídos usados existem cerca de 600 produtos tóxicos, incluindo agentes cancerígenos. Cada poço pode ser fraturado até 18 vezes e são necessários, de 400 a 600 caminhões tanque de água, para cada operação. O fluido que é usado é deixado a céu aberto para evaporar, tornando o ar contaminado e contribuindo para o surgimento de chuvas ácidas” e continua, “durante o processo, as águas subterrâneas próximas que são usadas para abastecer as cidades da região, também ficam poluídas. Houve mais de mil casos de contaminação próximos a áreas de perfuração já confirmados”.
No respeitante à exploração “offshore”, os danos podem ser imensos, “quanto à indústria da pesca no Algarve, pois a pesca comercial é um dos nossos mecanismos económicos que precisa de ser preservado e a pesca desportiva é uma das atividades mais populares na região. Um desastre de petróleo ou de gás no mar irá impactar diretamente nas nossas indústrias de pesca, resultando em perdas de valiosos recursos e também a perda de muitos postos de trabalho nesta indústria”, explica Laurinda Seabra, “a nível da indústria do turismo do Algarve, as zonas costeiras que estão ainda imaculadas, onde ainda está presente a vida selvagem, atrai dezenas de milhares de turistas por ano, injetando um impulso económico para a região. O perigo de um desastre de petróleo terá um papel negativo na decisão dos turistas para visitarem o Algarve”.
“Sejamos nós algarvios ou tenhamos decidido viver aqui, nós temos a responsabilidade de proteger a costa algarvia, não só para nós próprios e para as nossas famílias mas também para todos os visitantes e turistas”, conclui Laurinda Seabra “e temos o dever de pensar no bem-estar e na sustentabilidade das futuras gerações”.

A entrevista com Laurinda Seabra vai acontecer no diariOnline do Região Sul, no dia 2 de Janeiro de 2016, às 15:30 horas.




O ambiente é de todos

Temos o dever de pensar na sustentabilidade das futuras gerações

Entrevista com Laurinda Seabra    
            
Laurinda Seabra nasceu em Luanda, em 1955. Na puberdade foi viver para a África do Sul onde se licenciou em Engenharia Mecânica. Em 1975, ainda como estudante estagiária, começou a trabalhar numa empresa petrolífera.
É Mestre em Gestão de Negócios, pela Milpark Business School, e a sua carreira profissional foi feita dentro da indústria petroquímica, onde ocupou diversas funções, incluindo administração.
Em 2004 Laurinda Seabra decidiu mudar de rumo profissional e passou a ser a Directora da Empowerment Gatewey Consulting, uma empresa de consultadoria e empreendedorismo social, registada na Inglaterra e na África do Sul, sediada em Lagos.
Em 2012 funda uma associação, a ASMAA, a que preside.
Aos 15 anos de idade Laurinda começa por ser ativista pela defesa dos direitos humanos. Devido à sua carreira profissional compreendeu a necessidade de se proteger o ambiente e o seu ativismo estendeu-se a esta área.

O que é a ASMAA, quando nasceu e quais os seus objectivos?

ASMAA quer dizer Algarve Surf and Marine Activities Association. Foi registada no dia 3 de Dezembro de 2012. Tem como finalidade dinamizar a economia do Algarve usando o mar e as zonas costeiras como ferramentas de desenvolvimento turístico.
Cabe à ASMAA promover a coesão social e os valores democráticos, incluindo a defesa dos Direitos Humanos e das minorias, assim como lutar contra discriminações;
Cabe-lhe promover o diálogo e a colaboração intercultural, assim como participar na conceção e aplicação de políticas públicas, regionais e locais, especialmente as que afetam a sustentabilidade das pequenas e médias empresas, e cabe-lhe ainda promover o empreendedorismo responsável, especialmente nos sectores do surf e outras atividades englobados no sector marítimo.
Cabe à ASMAA também representar as empresas de atividades de surf e de outras atividades marítimas que lhe estão associadas e defender os seus direitos e legítimos interesses, assim como representar e defender os legítimos interesses dos turistas, visitantes e residentes que estão associados.
Esta associação pretende também defender o ambiente e refrear as zonas costeiras contra o incremento desajustado e desenfreado de construções urbanísticas.
Uma das atividades da ASMAA, neste momento, é dar a conhecer a sua luta contra a exploração de petróleo na costa Algarvia e Oeste e sensibilizar as pessoas para a nossa causa, desenvolver esforços no sentido de, não só prevenir mas também impedir, a contaminação do mar e praias, assim como impedir outros danos ambientais;
Está nos nossos objetivos desenvolver esforços no sentido de impedir que se continue a encaminhar para o mar e zonas adjacentes, os esgotos domésticos e de explorações agropecuárias.
 A ASMAA pretende ainda proteger os espaços verdes, pressionando as autoridades competentes a obrigar os madeireiros, aquando do abate de árvores para a indústria da celulose, a recolher os excedentes não aproveitados das árvores, com o exclusivo propósito de contribuir para a diminuição de fogos florestais.
Pretendemos ainda incentivar e formar pessoas interessadas no aproveitamento dos resíduos florestais como elemento fundamental de compostagem por meio de trituração mecanizada.

O que aconteceu em Julho de 2015 que tornou a situação da exploração de petróleo no Algarve mais alarmante?

Em Julho de 2015 foram publicados na internet, na página oficial da organização do governo responsável pela área do petróleo e gás natural, ENMC (http:/enmc.pt), contratos entre o governo e empresas petrolíferas, já realizados. Nós analisámos os contratos e pedimos um parecer jurídico que nos disse que os benefícios para Portugal eram muito poucos, ou quase nulos, e que traziam muitos riscos.
Estes contractos, publicados em Julho de 2015, eram para concessões no mar (“offshore”). Mas, em Setembro, a ENMC publicou dois novos contratos para o Algarve, desta vez, relativos a concessões em terra, com os nomes de Tavira e Aljezur.
Se estávamos preocupados com as explorações no mar, quando percebemos que estes novos contratos vão deixar entrar no Algarve as tecnologias de “fracking”, então a situação tornou-se muito mais séria, porque se há riscos na exploração no “offshore”, os riscos que o processo de “fracking” traz são muito maiores e têm impactos negativos permanentes.

O que é o “fracking” e quais os perigos desta técnica para as regiões onde ela é utilizada?
“Fracking”, “fraccing” ou “fracing” é uma técnica usada para libertar gás natural ou outras substâncias para a extração e utilização econômica.
O fraturamento hidráulico ou “hydraulic fracturing” é a propagação de fraturas numa camada de rocha por um fluido pressurizado. Algumas fraturas hidráulicas formam-se naturalmente e podem criar canais com petróleo ou gás que vêm de reservatórios de rochas.
Para fragmentar a rocha são usados tubos que contém água e químicos que fazem pressão sobre a rocha até quebrarem ou fraturarem a rocha. É como um mini terremoto. Pela porosidade, injeta-se também areia em quantidade suficiente para manter o canal aberto e permitir a condução do gás. O “fracturing” pode provocar impactos ambientais sérios, com prejuízo para a saúde humana pela contaminação dos canais subterrâneos e por causar danos na qualidade do ar porque provoca a migração de gases e produtos químicos para a superfície.
Na Europa o “fracking” está proibido em alguns países e nos EUA há um intenso debate cercando a exploração por “fracking” devido aos danos já causados.
Este tipo de extração agride gravemente o meio ambiente por se tratar de um processo que consiste na perfuração e injeção de fluídos químicos no solo para elevar a pressão, fazendo com que haja fratura das rochas e a liberação do gás natural. Nos fluídos usados existem cerca de 600 produtos tóxicos, incluindo agentes cancerígenos. Cada poço pode ser fraturado até 12 vezes e são necessários, de 400 a 600 caminhões tanque de água, para cada operação. O fluido que é usado é deixado a céu aberto para evaporar, tornando o ar contaminado e contribuindo para o surgimento de chuvas ácidas.
Durante o processo, as águas subterrâneas próximas que são usadas para abastecer as cidades da região, também podem ficar poluídas. Houve mais de 14 mil casos de contaminação próximos a áreas de perfuração, já confirmados.
A exploração do gás é muito comum nos EUA, onde existem mais de 500 mil poços ativos. As toxinas que vazam durante o processo estão a causar a morte de diversas espécies aquáticas, pois prejudicam a qualidade da água, tornam-na mais ácida, o que provoca graves lesões nos peixes.
Este processo de extração está sendo fortemente questionado por um grupo de ambientalistas e pela sociedade civil que querem a suspensão imediata desta prática. Um estudo publicado recentemente afirma que o “fracking” pode estar ligado à presença de terremotos. Conforme uma das nossas pesquisas, pelo menos 109 terremotos foram registrados no estado de Ohio (EUA), num período de 14 meses. Os fenómenos teriam começado após 13 dias do início das fraturas hidráulicas na região.
Neste momento a ASMAA já tem testemunhos de 16974 pessoas, dos Estados Unidos, relativos aos impactos negativos do “fracking” nas suas vidas.

Como funciona uma plataforma de petróleo e quais os perigos para a costa algarvia se aqui se instalarem plataformas de petróleo?

Existem dois tipos principais de plataformas de petróleo no mar: as de perfuração e as de produção. As de perfuração servem para encontrar petróleo em poços ainda não explorados e inicia-se com uma série de pesquisas geológicas e geofísicas que localizam bacias promissoras e analisam os melhores pontos para as perfurar.
As plataformas de produção aparecem quando um poço já foi descoberto e está pronto para ser explorado. São elas que efetivamente extraem o petróleo localizado no fundo do mar, levando-o à superfície, onde este é separado de outros compostos, como água e gás.
Dependendo da profundidade em que se encontra o poço, podem ser construídos dois tipos de plataforma de produção: as fixas e as flutuantes (chamadas de semi-submersíveis).
As fixas são instaladas em águas rasas (até 180 metros) e ficam ligadas ao subsolo oceânico por um grande "pilar".
As flutuantes possuem cascos como os de um navio e servem para explorar poços que se localizam em lugares muito profundos.
Os danos, vou referir por áreas específicas:
Relativamente à natureza do Algarve, o ambiente marinho desta região inclui muitos ecossistemas únicos e frágeis, é o lar de muitas espécies, incluindo aves marinhas, baleias e golfinhos entre elas. Um desastre de petróleo ou gás vai deixar a flora e a fauna marinha totalmente vulneráveis e até destruídas pelos efeitos tóxicos.
A pesca comercial é um dos nossos mecanismos económicos que precisa de ser preservado e a pesca desportiva é uma das atividades mais populares na região. Um desastre de petróleo ou de gás no mar irá impactar diretamente nas nossas indústrias de pesca, resultando em perdas de valiosos recursos e também de muitos postos de trabalho.
As zonas costeiras que estão ainda imaculadas, onde ainda está presente a vida selvagem, atrai dezenas de milhares de turistas por ano, injetando um impulso económico para a região. O perigo de um desastre de petróleo terá um papel negativo na decisão dos turistas para visitarem o Algarve.
Esta região oferece oportunidades sem paralelo para desportos marítimos e atividades de aventura, como o “surf”, caiaque, “windsurf”, “jet ski”, mergulho e passeios de barco, entre outros. Um desastre de petróleo ou de gás no mar, invariavelmente vai ter um impacto negativo nas muitas empresas que prestam estes servidos e para todas as organizações e indivíduos que gostam da praia, do mar e do sol que caracterizam o Algarve.
Os bens e recursos naturais do Algarve devem ser protegidos, e não, vendidos para serem explorados por empresas estrangeiras. Não podemos expô-los ao perigo de serem destruídos e daí resultar a perca da nossa sustentabilidade, só por causa da exploração do petróleo no mar Algarvio sem medidas de segurança adequadas e asseguradas.
Quanto ao clima, que também tanto o caracteriza o Algarve, os impactos climáticos devido a exploração de petróleo e gás são desastrosos.
Portugal deve investir em soluções de energia limpa e ecológica em vez de investir na extração das últimas gotas de petróleo dos confins da terra e do mar. Devemos ser pioneiros na área climática, e não, "maníacos" dos fósseis.
O modo de vida na zona costeira do Algarve está em perigo. Esta é uma parte fundamental do “viver no Algarve” e, sejamos nós algarvios ou tenhamos decidido viver aqui, temos a responsabilidade de proteger a costa algarvia, não só para nós próprios e para as nossas famílias, mas também para todos os visitantes e turistas, assim como temos o dever de pensar no bem-estar e na sustentabilidade das futuras gerações.

Entrevista com Benedicte Travaux

Ciclo de entrevistas realizadas pelo Núcleo de Jornalismo da Associação Min-Arifa no Jornal diariOnline - Região Sul : o ambiente é de todos.
Jornalista: Paula Ferro

O ambiente é de todos

O descalabro que acontece no Algarve é da responsabilidade de todos

Entrevista com Benedicte Travaux





A quinta entrevista do ciclo “o ambiente é de todos” que o Núcleo de Jornalismo da Associação Min-Arifa tem vindo a realizar no diariOnline do Região Sul é com Benedicte Travaux do movimento Tavira em Transição.
Benedicte Travaux nasceu em Paris em 1953. Foi professora de ténis, o que lhe permitiu viajar bastante e trouxe a Portugal em 1977, através do Club Mediterrane. Estabiliza-se em Paris e durante vários anos foi decoradora das lojas Pierre Frey e Yves Halard.
Em 1984 casou com um português e passou a residir em Tavira até hoje. Em 1986 montou a Galeria Spatium para acolher os artistas portugueses e estrangeiros que residiam na região e esteve activa até 2002.
É membro do movimento Tavira em Transição.
Em Setembro passado, Benedicte estava na Ria Formosa, na zona de Torre d’Aires e o seu olhar foi surpreendido por reflexos que vinham de terra. Foi tentar perceber de onde vinham aqueles reflexos e descobriu que estava a ser iniciada uma exploração agrícola para produção de framboesas com estufas para hidroponia, na Quinta da Torre d’Aires, onde se encontra uma parte da antiga cidade portuária romana de Balsa para além de pertencer ao Parque Natural da Ria Formosa.
“O meu primeiro e-mail, com fotos, foi para o presidente da Câmara Municipal de Tavira a quem perguntei o que se passava ali e se ele havia aprovado aquele projecto”, explica Benedicte Travaux, “a resposta foi um e-mail a perguntar o meu nome completo e o meu número fiscal”.
Benedicte procurou então outros contactos entre os quais, “o João Cunha da Rádio Renascença”, explica Benedicte, que “veio ao local e visitámos empresas de exploração agrícola com estufas, a HUBEL, uma empresa portuguesa que implantou estufas hidropónicas para frutos vermelhos em vários locais, estivemos na Quinta da Campina, e Maravilhas Farms, uma empresa espanhola que faz a sua exploração em Vale de Caranguejo, junto às salinas”.
Para instalar este tipo de estufas é necessário arrancar árvores, sendo algumas delas, espécies protegidas, nivelar a terra, “retirar entre 30 a 60 centímetros da camada superior da terra, que é a mais fértil”, mas “no caso da Balsa, é uma catástrofe total porque para além de retirar a terra arável, destrói todos os vestígios arqueológicos de forma irrecuperável” para além do que “a inclinação natural deste promontório faz com que as chuvas empurrem os resíduos químicos das explorações agrícolas directamente no Parque da Ria Formosa”. Acontece que “nesta zona existem produtores de ostras e ameijoas que servem grandes restaurantes em Lisboa. Está a ser criado um problema de saúde pública por um lado, e por outro, a destruir-se fontes de rendimento local que, com investimento e trabalho, têm vindo a evoluir”.
Benedicte Travaux informa que “em 2015 já existem 400.000 m2 de terreno plastificado no concelho de Tavira e estão previstas mais instalações” e afirma que “não há vantagem nenhuma em colocar estufas hidroponicas para frutos vermelhos em terrenos que, por si, já são férteis, terrenos de primeira que é o que está a acontecer no sotavento algarvio, terrenos que podiam ter outro tipo de culturas mais adequadas às características desta zona” porque para “o modo como estas culturas são feitas é indiferente o tipo de terra onde se faz o cultivo. As plantas estão em vasos com terra preparada, não são colocadas no solo”.
“E este descalabro todo no Algarve é da responsabilidade de quem?” pergunta Benedicte Travaux, que conclui “é de todas as instituições, começando por Bruxelas, com o modo como distribue os fundos comunitários, é do governo e do Cavaco Silva que há três anos veio aqui decretar que o sotavento algarvio era, em toda a Europa, o local mais indicado para a produção de frutos silvestres, é das Câmaras Municipais e dos Ministérios e Direcções Regionais que têm a seu cargo a agricultura, o ambiente, a ecologia, a Ria Formosa, a arqueologia, a cultura e o turismo, é de toda a região, incluindo os cidadãos pelo seu desinteresse, por não exercerem a sua cidadania, pois a partir do momento em que não estão contra e não travam o processo, compactuam com ele”.

A entrevista com Benedicte Travaux vai acontecer, no diariOnline do Região Sul, no dia 30 de Dezembro de 2015, às 12:30 horas.

Momento de activismo com o Movimento Tavira em Transição:






O ambiente é de todos


O descalabro que acontece no Algarve é da responsabilidade de todos


Entrevista com Benedicte Travaux
Benedicte Travaux nasceu em Paris em 1953. Foi professora de ténis, o que lhe permitiu viajar bastante e trouxe a Portugal em 1977, através do Club Mediterrane. Estabiliza-se em Paris e durante vários anos foi decoradora das lojas Pierre Frey e Yves Halard. 
Em 1984 casou com um português e reside em Tavira desde essa altura. Em 1986 montou a Galeria Spatium para acolher os artistas portugueses e estrangeiros que residiam na região e esteve activa até 2002.
É membro do movimento Tavira em Transição.


Como se inicia esta polémica das estufas hidropónicas na zona da antiga cidade romana de Balsa?
Inicia-se em Setembro. Eu estava perto da Torre d’Aires, na ria, dentro de um barco, quando reparei nuns brilhos não habituais, vindos de terra. Fui averiguar e descobri o que para mim era impensável: o terreno estava completamente nivelado e a ser preparada uma exploração agrícola com estufas, cujos suportes em alumínio refletiam a luz solar. Isto era impensável para mim porque, para além de este local ser zona protegida da Ria Formosa, a Quinta da Torre d’Aires ocupa 17 ha da área da antiga cidade portuária romana de Balsa.
O meu primeiro e-mail, com fotos, foi para o presidente da Câmara Municipal de Tavira a quem perguntei o que se passava ali e se ele havia aprovado aquele projeto. A resposta foi um e-mail a perguntar o meu nome completo e o meu número fiscal. Contactei com amigos portugueses que vivem em Lisboa e me fizeram a ponte para outras pessoas que conhecem bem a região, onde se inclui Luís Fraga, autor de “A Cidade Perdida de Balsa.
Este assunto já me interessava há muito, tanto a cidade de Balsa como a “estufomania”. Contactei também com jornalistas. O João Cunha da Rádio Renascença veio ao local e visitámos empresas de exploração agrícola com estufas: HUBEL, uma empresa portuguesa que implantou estufas hidropónicas para frutos vermelhos em vários locais, nós estivemos na Quinta da Campina; e Maravilhas Farms, uma empresa espanhola que faz a sua exploração em Vale de Caranguejo, junto às salinas.
Contactei também o José António Cerejo, jornalista do Público, que redigiu um texto sobre este tema em 11 de Novembro.
O projeto dos 17 ha da Quinta da Torre d’Aires parou no dia 30 de Outubro mas desconheço quem travou realmente o processo.

Quais os inconvenientes destas estufas?
Muitos, se bem que a da cidade de Balsa seja especial devido ao acrescido valor arqueológico. Fora do centro histórico de Tavira, que é rico em memórias culturais, não há um património assim tão extraordinário que nos permita deitar fora pedaços da memória coletiva, muito menos com a relevância de Balsa que foi um local importante para todo o Império Romano, na época.
É importante saber que para instalar uma exploração agrícola com este tipo de estufas é necessário:
Arrancar árvores (algumas delas centenárias), como oliveiras, alfarrobeiras, azinheiras e sobreiros, sendo estas duas últimas, espécies protegidas;
Nivelar a terra com máquinas muito potentes;
Retirar entre 30 a 60 centímetros da camada superior da terra, que é a mais fértil, porque a sua riqueza pode, eventualmente, trazer doenças e contaminações às framboesas;
No caso da Balsa, é uma catástrofe total porque para além de retirar a terra arável, destrói todos os vestígios arqueológicos de forma irrecuperável;
Na zona da Balsa, a inclinação natural deste promontório faz com que as chuvas empurrem os resíduos químicos das explorações agrícolas diretamente no Parque da Ria Formosa. Pior, quando as marés altas são elevadas, as partes mais baixas, no lado Sul, ficam alagadas. Isto agrava-se quando existem, nesta zona, produtores de ostras e ameijoas que servem grandes restaurantes em Lisboa. Está a ser criado um problema de saúde pública por um lado, e por outro, a destruir-se fontes de rendimento locais que, com investimento e trabalho têm vindo a evoluir.
Não se percebe como é que há coisa de três anos interditaram a passagem de barcos a motor entre Sta Luzia e Torre d’Aires para proteção dos cavalos-marinhos, o que concordo, e agora expõem essa mesma zona a possíveis agressões por resíduos tóxicos deste tipo de exploração agrícola. Falo dos cavalos-marinhos mas podemos falar de outras espécies pois toda a fauna e flora marinha vai sofrer com este tipo de agressões que podem mesmo colocar em risco a atividade piscatória.
Este tipo de exploração agrícola exige grandes quantidades de água. Embora as águas da hidroponia sejam em grande parte reaproveitadas, a água é fundamental para uma série de tarefas obrigatórias. A seca é um dos problemas desta zona, 2015 tem sido um ano de seca severa. Parece-me pouco racional investir em projetos que exijam grandes quantidades de água nesta zona.
Todos estes projetos são aceites pelo Parlamento Europeu e subsidiados, em quantias muito simpáticas, tendo como um dos objetivos dar emprego aos cidadãos locais mas o que se passa é que 80% da mão-de-obra destas estufas provém de países asiáticos e da Europa de Leste, alojados em condições deploráveis e com horários muito pouco convencionais.
Outro dos objetivos destes subsídios é favorecer a exportação. Toda esta panóplia é feita para que plantas do Norte da Europa venham crescer ao Algarve, para aqui terem maior quantidade de frutos extemporâneos que regressam ao Norte da Europa.
Em 2015 já existem 400.000 m2 de terreno plastificado no concelho de Tavira e estão previstas mais instalações. Isso assusta-me. Para 2016 está previsto um projeto da Maravilha Farms, uma empresa espanhola, a realizar a Norte da EN125, entre a Cumeada e Sta Rita, de flores exóticas que, decerto, irão implicar estufas. Há outro proje4to de ervas aromáticas, também com estufas, previsto para a zona da Luz de Tavira… Mas será que já não se consegue fazer agricultura sem estufas?
Olhando para a paisagem. Para mim, as estufas são uma intrusão visual insuportável. A vista do alto de Sto Estêvão, ou de qualquer colina, é uma maré de branco plastificado que nos devolve os raios solares de um modo agressivo, incomodativo, mesmo insuportável.
O risco, a nível do turismo e dos futuros residentes, é muito grande. Há muitos proprietários de casas que decidiram vir residir nesta zona, fizeram investimentos nesse sentido, alguns deles até bastante caros e, com esta situação, querem-se ir embora, mas agora não conseguem vender as suas casas nem por metade do preço. Isto quer dizer que, independentemente da crise geral, todo o Algarve tem vindo a desvalorizar e cada vez mais. A nível de turismo, estamos a chamar pessoas para um turismo da natureza, que é o que faria sentido neste local, mas os turistas chegam aqui e veem estufas por todo o lado, projetos de “fracking” e plataformas de petróleo, coisas que eles recusam nos seus países. Claro que o turismo vai descer.
 Não há vantagem nenhuma em colocar estufas de hidroponia para frutos vermelhos em terrenos que, por si, já são férteis, terrenos de primeira que é o que está a acontecer no sotavento algarvio, terrenos que podiam ter outro tipo de culturas mais adequadas às características desta zona. Para o modo como estas culturas são feitas é indiferente o tipo de terra onde se faz o cultivo porque as plantas estão em vasos com terra preparada, não são colocadas no solo. Porque não colocam estas estufas num local já betonado? Numa zona industrial, por exemplo? Sim, até porque este tipo de exploração agrícola mais se parece com uma indústria do que com agricultura.
E este descalabro todo no Algarve é da responsabilidade de quem? De todas as instituições, começando por Bruxelas, com o modo como distribui os fundos comunitários, é do governo e do Cavaco Silva que há três anos veio aqui decretar que o sotavento algarvio era, em toda a Europa, o local mais indicado para a produção de frutos silvestres, é das Câmaras Municipais e dos Ministérios e Direções Regionais que têm a seu cargo a agricultura, o ambiente, a ecologia, a Ria Formosa, a arqueologia, a cultura e o turismo, é de toda a região, incluindo os cidadãos pelo seu desinteresse, por não exercerem a sua cidadania, pois a partir do momento em que não estão contra e não travam o processo, compactuam com ele.

Costumas dizer que a descaracterização da cidade de Tavira te entristece. Foram cometidos muitos erros?
Sim, muitos, mas vou só apontar alguns:
O monstro PLAZA, abaixo da EN125, dentro do perímetro da Ria Formosa.
Em Sta Margarida de Tavira, que é uma zona lindíssima, alta, onde colocaram um Parque Industrial (que são normalmente feios) com três ou quatro armazéns isolados e quase inativos.  Como é que isto é possível? Como é que se estipula uma zona destas para Parque Industrial e depois o que temos é betão sobre a terra e muito vazio sem movimento?
Outra coisa que me desola completamente é a ponte que sai do Mercado Municipal de Tavira. Retira toda a vista sobre o Rio Gilão em direção às Quatro Águas. Retira a vista do mar e das salinas.
Há mais… mas quero apenas deixar aqui uma outra constatação: no concelho de Tavira há 56 cabeleireiros(as), 15 lojas chinesas, 20 esteticistas, 20 imobiliárias e 7 grandes superfícies para produtos alimentares que têm vindo a obrigar as pequenas lojas a ter que fechar, mas não existe nem uma única livraria. O que é que isto quer dizer?


Entrevista com Fernando Silva Grade

Ciclo de entrevistas o ambiente é de todos realizadas pelo Núcleo de Jornalismo da Associação Min-Arifa no Jornal diariOnline - Região Sul


O ambiente é de todos

Os autarcas foram os principais obreiros na liquidação das belezas e riquezas culturais da região.



Entrevista com Fernando Silva Grade
Jornalista: Paula Ferro


A quarta entrevista do ciclo “o ambiente é de todos” que o Núcleo de Jornalismo da Associação Min-Arifa tem vindo a realizar no diariOnline do Região Sul é com Fernando Silva Grade.
Fernando Silva Grade nasceu em Faro em 1955. Em 1983 licenciou-se em Biologia pela Faculdade de Ciências da Faculdade de Ciências de Lisboa e em 1993 concluiu o Curso de Pintura do Ar.Co. Expõe com regularidade, desde 1988, individual ou colectivamente, em diversas cidades do país e do estrangeiro. É artista da Galeria Monumental, em Lisboa.
Ao longo dos anos, Fernando Silva Grade tem participado em diversas actividades ligadas à defesa do património cultural e do ambiente e faz parte da associação Almargem. Em 2011 foi eleito personalidade do ano da cidade de Faro pelo grupo cívico “Tertúlia Farense” e é autor do livro “O Algarve tal como o destruímos”, um livro que confronta o Algarve do passado e do presente no que respeita aos seus valores naturais e culturais. O livro presenta ainda algumas entrevistas com personalidades de relevância regional sobre estas problemáticas.
A segunda edição de “O Algarve tal como o destruímos” foi publicada em Outubro de 2014.
“O livro ‘O Algarve Tal Como o Destruímos’ estrutura-se a partir do blogue ‘A Defesa de Faro’, que esteve activo entre 2006 e 2012, e que constituiu uma importante tribuna de debate de ideias em torno de problemáticas inerentes à cidade de Faro e à região algarvia”, explica o autor do livro, “as temáticas que abordei, tanto nos textos como nas entrevistas que realizei, situavam-se em torno de questões relativas ao ambiente, à cultura e ao património arquitectónico. Estas áreas foram, nos últimos 40 anos, sujeitas a um ataque cerrado, tendo-se, nas palavras do historiador António Rosa Mendes, provocado um genocídio cultural”.
“O Algarve era, de facto, uma região com uma riqueza natural, paisagística e arquitectónica excepcionais, à qual uma rara diversidade de cenários em tão pequeno território ainda mais amplificava. Tudo no Algarve era extasiante, o litoral, o barrocal, a serra e as cidades, vilas e aldeias. Ainda não há 50 anos não havia elementos dissonantes nessa sinfonia genial”, afirma Fernando Silva Grade, “as novas gerações, que não conhecem outra coisa senão o mundo caótico actual, terão dificuldade em perceber do que estou a falar.”
“Acontece que tecnologia e ignorância é uma mistura altamente destrutiva e o homem não evoluiu em termos civilizacionais o suficiente para poder lidar adequadamente com aquela”, explica o biólogo e artista, “No Algarve deu-se uma autêntica corrida ao ouro, em que os autarcas, sem excepção durante três décadas, foram os principais obreiros na incentivação da liquidação das belezas e riquezas culturais da nossa região. Autarcas ignorantes, parolos e gananciosos que, juntamente com uma aculturada população conivente ou indiferente, permitiram o assalto dos interesses económicos que, através da especulação imobiliária, arrasaram por completo cidades, vilas, aldeias, barrocal e litoral, não deixando quase nada intacto da beleza e harmonia originária”.

A entrevista com Fernando Silva Grade vai acontecer no dia 22 de Dezembro de 2015, às 18:00 horas, no diariOnline do Região Sul.




Os autarcas foram os principais obreiros na incentivação da liquidação das belezas e riquezas culturais da nossa região.
Entrevista com Fernando Silva Grade

Fernando Silva Grade nasceu em Faro em 1955. Em 1983 licenciou-se em Biologia pela Faculdade de Ciências da Faculdade de Ciências de Lisboa e em 1993 concluiu o Curso de Pintura do Ar.Co. Expõe com regularidade, desde 1988, individual ou colectivamente, em diversas cidades do país e do estrangeiro.  É artista da Galeria Monumental, em Lisboa.
Ao longo dos anos, Fernando Silva Grade tem participado em diversas actividades ligadas à defesa do património cultural e do ambiente e faz parte da associação Almargem. Em 2011 foi eleito personalidade do ano da cidade de Faro pelo grupo cívico “Tertúlia Farense” e é autor do livro “O Algarve Tal Como o Destruímos”, um livro que confronta o Algarve do passado e do presente no que respeita aos seus valores naturais e culturais. O livro presenta ainda algumas entrevistas com personalidades de relevância regional sobre estas problemáticas.
A segunda edição de “O Algarve Tal Como o Destruímos” foi publicada em Outubro de 2014.

Como surge o livro “O Algarve Tal Como o Destruímos” e porque sentiste necessidade de o escrever?
O livro “O Algarve Tal Como o Destruímos” estrutura-se a partir do blogue “A Defesa de Faro”, que esteve activo entre 2006 e 2012, e que constituiu uma importante tribuna de debate de ideias em torno de problemáticas inerentes à cidade de Faro e à região algarvia.
Escrevi nesse blogue com muita frequência e levei a cabo um conjunto alargado de entrevistas a personalidades relevantes da sociedade algarvia. As temáticas que abordei, tanto nos textos como nas entrevistas que realizei, situavam-se em torno de questões relativas ao ambiente, à cultura e ao património arquitectónico. Estas áreas foram, nos últimos 40 anos, sujeitas a um ataque cerrado, tendo-se, nas palavras do historiador António Rosa Mendes, provocado um genocídio cultural. Esta circunstância histórica, tão dramaticamente relevante, tinha de ser documentada, pois, tudo se tem feito para branquear esse facto, passando a imagem de um Algarve de sucesso, de divisas e de turismo.
Havia, pois, material escrito naquele blogue mais do que suficiente para servir de base a um livro e, desse modo, poder ser descrito e denunciado todo o processo de destruição e descaracterização que o Algarve, outrora um autêntico paraíso, sofreu em pouco mais de três décadas.

Para além da questão paisagística, o que mais te parece estar a destruir o Algarve e que não é referido no teu livro?
Não menciono todos os casos particulares de destruição, que são infindos, mas menciono as várias classes de destruições que ocorreram. O Algarve era, de facto, uma região com uma riqueza natural, paisagística e arquitectónica excepcionais, à qual uma rara diversidade de cenários em tão pequeno território ainda mais amplificava. Tudo no Algarve era extasiante, o litoral, o barrocal, a serra e as cidades, vilas e aldeias. Ainda não há 50 anos não havia elementos dissonantes nessa sinfonia genial. De repente, deu-se uma espécie de apocalipse e nada foi poupado à senda destruidora. Hoje em dia sobram alguns pedaços desse éden perdido, pequenos trechos incólumes no meio da cacafonia geral. Perdeu-se, sobretudo, o factor fulcral, que é o espírito dos lugares, factor que nos dá acesso à fruição e compreensão profunda dos sítios e à sua imanação mágica. As novas gerações, que não conhecem outra coisa senão o mundo caótico actual, terão dificuldade em perceber do que estou a falar. Há poucos dias visualizei um site com fotos do Artur Pastor do Algarve dos anos 50 e 60 (arturpastor.tumblr.com). Talvez elas possam contribuir para entrever um território em que a interacção entre o mundo humano e o mundo natural era exemplar, cultural e até artística. Nessa altura havia respeito e amor pela terra de que as formas de intervenção humana na natureza revelavam à saciedade.
Como factos recentes que o livro ainda não cobre temos a agressão ignóbil em curso a uma série de praias do Barlavento, de que a praia de Dona Ana é o caso mais conhecido, com o enchimento das mesmas com a “areia” mais miserável que se possa conceber e com o consequente soterramento de arribas, rochedos e leixões desfigurando totalmente praias de deslumbrante beleza. Também há a referir os recentes projectos de exploração de hidrocarbonetos off-shore junto à costa algarvia, e on-shore em amplas zonas do nosso território com a técnica terrivelmente destrutiva do fracking.
                                                                                                              
O que está, no teu entender, por detrás de toda esta destruição?
O problema da destruição do ambiente e das culturas humanas é um problema global. E é uma circunstância inédita na já longa odisseia do homem no planeta. Nos cerca dos 200.000 anos de existência do Homo Sapiens nada de semelhante jamais ocorreu. E isto está a ser possível devido ao desenvolvimento espantoso da tecnologia.
Acontece que tecnologia e ignorância é uma mistura altamente destrutiva e o homem não evoluiu em termos civilizacionais o suficiente para poder lidar adequadamente com aquela. Por outro lado, e como resultado da progressiva secularização das sociedades ocidentais nos últimos dois séculos, com a perda da componente espiritual como elemento inerente à essência da natureza humana, libertaram-se, de forma desmedida, as compulsões materialistas de que a ganância é a mais feroz. E, hoje em dia, é esta compulsão o motor mais determinante na dinâmica da sociedade de hiperconsumo em que habitamos.
O facto de vivermos cada vez mais apartados da natureza e das suas imanações, tornou-nos, por outro lado, completamente incapazes de entender minimamente o modo adequado de com ela nos relacionarmos.
Evidentemente que há diferenças de sítio para sítio e de país para país. Portugal é um exemplo deplorável relativamente àquilo que fez à sua cultura, à sua paisagem e à sua arquitectura tradicional.
No Algarve deu-se uma autêntica corrida ao ouro, em que os autarcas, sem excepção durante três décadas, foram os principais obreiros na incentivação da liquidação das belezas e riquezas culturais da nossa região. Autarcas ignorantes, parolos e gananciosos que, juntamente com uma aculturada população conivente ou indiferente, permitiram o assalto dos interesses económicos que, através da especulação imobiliária, desfiguraram cidades, vilas, aldeias, barrocal e litoral, não deixando quase nada intacto da beleza e harmonia originária.

Que medidas devem ser tomadas no sentido de se travar este processo?
A onda de especulação imobiliária abrandou muitíssimo nos últimos anos devido à crise e não devido a legislação adequada à salvaguarda dos valores culturais e naturais ou à acção dos autarcas ou da sociedade civil.
Neste momento, contudo, já existe alguma consciência do problema, mas não há meios para travar as ameaças que pairam no Algarve e que irão inelutavelmente destruí-lo ainda mais. Por exemplo, existem vários empreendimentos monstruosos prestes a avançar em zonas de grande sensibilidade ambiental como é o caso da Quinta da Ombria, paredes meias com a Paisagem Protegida Local da Fonte da Benémola, e a Quinta do Freixo, ambos em plena Rede Natura 2000. Também na região de Alcoutim se perspectiva uma central solar megalómana que vai arrasar, até ao último arbusto, uma área contínua de cerca de 600 ha de serra algarvia até agora utilizada como reserva turística de caça.
Em termos de arquitectura sejamos claros. O que hoje em dia se constrói de novo nas cidades ou no campo é arquitectonicamente desastroso. E este facto tem um impacto tremendo na paisagem rural e urbana. Por outro lado, a forma como se estão a reabilitar os edifícios antigos é tristemente risível. Quase sem excepções as reabilitações são calamitosas na medida em que se usam materiais inapropriados e dissonantes como o cimento, a tinta plástica e o alumínio. O resultado final vai, na maior parte dos casos, para além do pastiche, originando verdadeiros abortos que nada têm a ver com os edifícios originários de genuína arquitectura algarvia.
E as recentes apostas em dinâmicas de agricultura intensiva superagressiva (como certas estufas hidropónicas), não augura nada de bom na já muito sacrificada paisagem rural algarvia.
A única coisa que poderia alterar o estado das coisas era a existência de um alto sentido cívico e cultural das populações. Ora, isso não existe nem irá existir nos próximos anos.